terça-feira, 27 de setembro de 2011

UM ARTIGO MEU SOBRE O PRAZER DE ADAPTAR O LIVRO DE VALÉRIA PIASSA POLIZZI PARA O TEATRO

http://www.agenciaaids.com.br/artigos/interna.php?id=365

Depois Daquela Viagem: viver, fazer e acontecer – na companhia de um vírus chamado HIV. Dib Carneiro é jornalista e dramaturgo  

O que mais me impressionou no livro best seller de Valéria Piassa Polizzi, DEPOIS DAQUELA VIAGEM (editora Ática), foi a palavra VIDA. Uma adolescente de 16 anos nos ensina o que deveria ser óbvio ululante: que um portador do vírus da aids pode, sim, usar muito mais o verbo VIVER do que o verbo MORRER em seu vocabulário. Pode, sim, fazer planos, fazer sexo, fazer amigos, fazer viagens, fazer, fazer, fazer...e acontecer.

Esta lição impactante e totalmente solar me fez voltar todos os esforços criativos de dramaturgo-aprendiz para uma adaptação teatral que fosse – como o livro de Valéria, como a VIDA de Valéria – um convite ao sol. Here comes the sun...

Valéria joga a vida para a frente, e seu livro tem um frescor narrativo que é impressionante. Por isso, procurei sugerir linguagens e estéticas que se aproximassem o mais possível da energia da juventude e desse lindo relato autobiográfico ‘imberbe’, carregado de hormônios e acnes, transbordante de cólicas, dúvidas e descobertas.

Fiz de tudo para manter na estrutura dramatúrgica o alto-astral que ela usa nos escritos do livro. Fiz de tudo para ampliar a questão de ‘saber lidar com o HIV dentro do corpo’ para além do universo (até hoje ainda sofrido e muitas vezes solitário) de quem convive com essa adversidade, pois, de novo, o livro também não se fecha apenas nessa questão.

Na verdade, ‘aprender a viver com o vírus da aids’ é um mote, um ponto de partida para que se discutam todos os tipos de preconceito que enfrentamos ao longo da existência. É um espetáculo que acaba se encaixando bem no tema tão explorado atualmente pela mídia que é o tal do bullying (assédio moral). É na adolescência que mais corremos o risco de enraizar dentro de nós os diversos tipos de preconceitos.

Espero que o espetáculo alerte sobre isso e abra um pouco mais a mente do público para as diferenças, sejam quais forem essas diferenças. Tanto que a peça, assim como a primeira página do livro, começa de forma bem esquemática, listando palavras que são perigosas porque podem ser usadas como rótulos cruéis: “rico, pobre, branco, preto, ruivo, gordo, vesgo, feio, careca, fanho, judeu, muçulmano, downiano, travesti, comunista, surdo, gago, aleijado, gay, idoso, corcunda” e assim por diante.

Também procurei fazer uma adaptação que, pretensiosamente, admito, resultasse em uma ‘peça para todos’, não só para adolescentes, pois não acredito, de forma alguma (e pratico isso em minha atividade como crítico de teatro), em acomodar a arte em gavetas castradoras e limitadoras. Quero que as peças sejam, antes de mais nada, boas, pois é isso que vai atrair público e não a divisão em faixas etárias.

Criei cenas ágeis e numerosas, tentando imprimir um ritmo bem vertiginoso à trama. Aposto em uma encenação que privilegie as intenções frenéticas dessas inúmeras cenas curtas que imaginei, uma atrás da outra, como são as coloridas e truncadas e desordenadas e confusas e espontâneas páginas de um diário de adolescente. Um diário de bordo, depois daquela viagem. Embarquem, desarmados, pois lá vem o sol...

Dib Carneiro é o autor da peça Depois Daquela Viagem, foi editor do “Caderno 2” do jornal O Estado de S.Paulo por quase vinte anos e integra a Associação Paulista de Críticos de Arte.

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